quarta-feira, 16 de julho de 2008

Comblain



Hubert Joseph Comblain era um armeiro e inventor na cidade de Liége, Bélgica. “Pai” do COMBLAIN, arma adotada pelo Brasil, no período de 1873 até meados da década de trinta do século vinte. Logo após aquilo que nós brasileiros chamamos de Guerra do Paraguai uma comissão do Exército Brasileira aprovou três grandes modelos, o COMBLAIN (do exército belga), o Martini-Henry e o Wesley-Richards mod. 2 (do exército da Grã-Bretanha). Os outros participantes eram o Remington mod. 1867, o Chassepot mod. 1866 (do Exército Francês) e o Mauser mod. 1871 (do Exército Alemão). Após os testes foi elaborada a compra de 3.000 fuzis e 2.500 carabinas COMBLAIN, isso em 1872.
Estima-se que o Brasil tenha adquirido por volta de 50.000 peças até meados de 1893, quando a Comissão de Melhoramentos do Exército Brasileiro decidiu por introduzir o Mauser modelo espanhol. Até a rebelião de Canudos (1896) nós podemos contar com 6 (seis) modificações no COMBLAIN tendo sido utilizada a designação: Nº1 ou M73 (1873), o Nº2 ou M74 (1874), o Nº3 ou M78 (1878), o Nº4 ou M85 (1885), o Nº5 ou M89 (1889) e o Nº6 ou M91 (1891). Com exceção do Nº5 ou M89 que era no calibre 11x53R, os outros eram todos no calibre 11x50R.
Eu tenho muito prazer em atirar! Deixe-me explicar antes que alguém taxe, minha atitude como politicamente errada e, caso o façam, que pelo menos a fundamentem.
O ato de atirar não é só o suave e contínuo apertar de um pedaço de aço (gatilho) que irá deslocar uma peça em formato de martelo que transporta ou aciona um pino (cão), em direção a uma espoleta, gerando uma reação química que deslocará um pedaço de chumbo por um cano, com uma incrível velocidade e rotação, em direção a um alvo móvel ou imóvel. Dessa somatória de ações, ocorrida em milésimos de segundos, obterei um resultado que mostrará se estou preparado para uma segunda oportunidade (de atirar de novo) ou, se o meu destino é à frente de uma tela de televisão.
Pelos anos que estou neste segmento do Tiro Esportivo, fico mais tempo com meu “hobby” do que com minha televisão. E espero ficar muito mais tempo ainda junto ao meu grande prazer, que é atirar.
Antes que digam que isto está parecendo mais uma declaração de amor do que um depoimento sobre o que me ocorreu, recentemente, vamos ao que interessa. Tudo começou em um belo domingo ensolarado quando, enquanto limpava meu fuzil COMBLAIN, fiquei imaginando que não tinha atirado ainda com aquela peça. Terminei minha tarefa e, rapidamente, iniciei a elaboração de um plano para experimentar o COMBLAIN. Não existe plano sem lápis e papel.

Logo, quando tudo estava a postos comecei por:
a)Encontrar literatura especializada sobre a utilização do calibre – 11X50R. Desejo aqui abrir um parêntese. Se algum dia você quiser saber, qualquer coisa sobre qualquer calibre que você não tem a menor idéia do que seja, sugiro um telefonema ou um contato com o Dr. Crezo Zanota. Você irá descobrir tudo e mais um pouco sobre o calibre pesquisado. Obrigado, doutor!
b)Verificar se em sua relação de amigos eles possuem, os “dies” (ferramentas necessárias à recarga) do calibre pesquisado. Quem pode fundir os projéteis não podendo se esquecer de calibrá-las na medida correta do cano. Vale a pena fazer uma ressalva aqui. Existe uma matéria do Dr. Creso, na Magnum nº100, página 10 que ensina a fazer a medição do cano. Voltando! Qual o peso e forma do projétil? Respeite sempre, na medida do possível, a originalidade do projeto
c)Um item importante. Qual pólvora usar e em que quantidade! Pólvora Negra ou pólvora sem fumaça? Minha sugestão, para facilitar seu caminho, é que conte com a experiência dos colegas de Tiro. Vale aqui também uma pequena propaganda. Se você for sócio, de um bom Clube de Tiro, daqui de São Paulo – SP, é simplesmente o máximo. Sem contar o fato de que lá, fui presidente, por duas vezes. Deixando de lado o pequeno detalhe de que fui presidente do “Pira”, como carinhosamente o chamam seus sócios, e isso poderia me fazer um tanto exagerado ao declarar meu amor pelo clube, o fato é que, numa empreitada como essa, ter colegas com quem dividir as idéias, preocupações e, principalmente, o sucesso, é extremamente agradável.
d)Selecionar um cronômetro para medir o resultado do teste é fundamental. Máquina de calcular, planilha feita no Excel, pois gráficos vão facilitar seu entendimento no momento da conclusão. Eu só não sugiro uma apresentação com o “Powerpoint”, senão seus amigos vão pensar que você está maluco, porque achar, eu tenho certeza, eles já acham...

Imaginava o Leitor que era só colocar um cartucho já montado no fuzil e atirar? Caso isso tenha passado pela sua cabeça, pare de ler! Vire a página! Procure por outro artigo! Vá tomar um café expresso! Eu avisei que gostava muito de atirar e toda essa preparação faz parte do ato de “atirar”. Muitas vezes, vale mais do que, simplesmente, “puxar o gatilho”.
A pesquisa, os fatos, as datas, os lugares, tudo isso está agregado ao ato de atirar. Você pode encontrar pesquisando pela nossa historia, descrição de uma peça parecida com a sua isso proporciona uma satisfação impagável.
No meu caso, chego a imaginar uma reunião, lá pelos idos de 1896, entre Antonio Conselheiro e seus colegas de rebelião. Noite quente, ao redor de lampiões de querosene, confabulando como resistir às tropas Federais que estavam por chegar. E, nessa mesma sala, pelas paredes esburacadas por tiros, estão enfileirados alguns fuzis “COMBLAIN”, prontos para defender os ideais daquele levante. Se estivessem certos ou errados isso pertence à outra estória.
Estava eu, afinal, pronto para testar o fuzil “COMBLAIN”. Arranjei alguns estojos vazios, garimpados pelo interior deste país, no comprimento de 1.984” de polegada ou 50 mm. As espoletas são 9 ½ da CBC “Large Rifle”. Os projéteis foram fundidos e lubrificados engraxadas a partir de um molde do calibre 43 “Spanish”, com o peso de 375 ‘grains’ e com diâmetro externo de 0.430” ou seja, o mais próximo do cano do rifle (medido em 0.448”). Quanto ao propelente, optei por iniciar os testes com a pólvora negra fornecida pela Imbel e, como primeira carga ou tiro experimental, utilizar 45 “grains”. Como cheguei a este valor? Peguei, em primeiro lugar, um estojo vazio. Ajustei o projétil na altura desejada (canal do ‘crimp’), dentro do estojo e medi a altura do espaço restante. Na seqüência, adicionei a pólvora, até que ela se ajustasse rente à base do projétil. Removi o projétil e pesei o conteúdo da pólvora. Deu 68 “grains”. Isto significa que se fossemos atirar com carga plena devemos colocar 68 “grains” de pólvora negra. Como o objetivo é fazer um teste em segurança, vamos iniciar com 33 % a menos ou seja, utilizar 45 ‘grains’. Para que a pólvora não fique “jogando” dentro do estojo eu preencho o espaço com “painço”. Vamos a mais um intervalo cultural? Em algumas recargas pode ocorrer que sobre um espaço entre a pólvora e a base do projétil. Dependendo do tamanho do estojo esse ‘espaço’ pode aumentar, drasticamente, a pressão. Como nossa recarga é fundamentada em segurança, deve-se preencher, esse “espaço vago” com paina ou painço. Para maior compreensão leia artigo do Dr. Creso na Magnum nº77, página 18.

Com o rufar dos tambores, cronógrafo na linha de tiro, carrego o fuzil e... Deixa baixar um pouco essa fumaça branca que se formou à frente da arma! Tento visualizar, o número que aparece no visor do cronógrafo é... 9...5...0. A velocidade é de 950 pés por segundo. Um belo tiro se fosse com uma pistola Colt 45, sem a grande nuvem de fumaça, é claro. A primeira impressão começa a passar pela cabeça. Não deu tranco, “nê”? E olha que o peso do projétil não é dos menores. 375 ‘grains’. Um belo tijolo voador! Abro a câmara da arma, tiro o estojo e procuro identificar, olhando para a base do cartucho, ao redor da espoleta, se houve excesso de pressão. Se a espoleta estiver com as bordas arredondadas, está normal, se está “chapada” seja cauteloso, é sinal de excesso de pressão.
Novo tiro, nova carga, agora com 55 ‘grains’. Sento na cadeira, faço pontaria no alvo a 50 metros. Apoiando o fuzil nos sacos de areia, cubro a frente do cronógrafo. No primeiro tiro segurei a arma na altura da cintura, com o rosto o mais distante possível da arma. Isso é normal se não conhecemos o “tranco” do primeiro tiro. No próximo tiro, já estou mais relaxado e quase senhor da situação. Lá vai! Muita fumaça branca! Deixa baixar um pouco e, já dá para enxergar, o número é... 1...1...0...5. Sim, 1.105 f/s (pés por segundo). Manejo a alavanca para extrair o estojo deflagrado que pula para fora tão logo abro a culatra. Verifico, novamente, a base do estojo. Agora, a espoleta está um pouco menos arredonda mas dentro dos parâmetros de segurança. O alvo, lá nos 50 metros, marca o resultado do meu tiro. Um “x”. Um “x”? Lembrando que a visada foi na base do círculo preto, o tiro não está ‘tenso’. Imediatamente abro um sorriso. A cara suja de fuligem, a mão também suja por segurar a cápsula e, um grande sorriso de satisfação.
A carga, agora, é com 65 ‘grains’. Mirei, respirei vagarosamente e, lá vai! Baixa a fumaça e o número é 1.185 f/s (pés por segundo). Esse tiro o meu ombro sentiu. Tiro de “macho”, termo usado pelos caboclos do mato. A adrenalina já tomou conta do pedaço. Não sou só eu que estou rindo a toa. Meu amigo ao meu lado, com o rosto sujo de carvão, fica repetindo: “É a primeira vez que vejo um tiro de COMBLAIN que T...(bárbaro?, legal?, fantástico?)”. O que, realmente, vale nesta experiência é reproduzirmos, com segurança, um fato com mais de 110 anos. O cheiro da fumaça, a densa brancura, a fuligem que cobre a nossa mão após cada tiro. Tudo isso é uma verdadeira viagem ao passado, sem necessidade de grandes investimentos, só a imaginação.
As fotos dos alvos demonstram que o COMBLAIN faz um agrupamento, para lá de razoável, a uma distância de 50 metros, para uma arma, essencialmente, militar. Porém, essa é outra estória que fica para uma próxima vez...Até mais...

Fonte de dados:
Jornal Armaria nº3;
http://br.geocities.com/armas_Brasil/secXiX/declínio/armasfogo/comblain_mod...
The Handloader’s – Manual of Cartridge Convertions John J. Donnelly & Bryce Towsley;
Grande Sertão: Veredas – João Guimarães Rosas.

FICHA TÉCNICA COMBLAIN
Modelo Nº 04 ou M85 Características fornecidas pelo fabricante.
calibre: 11x50mm
Comprimento: 121 cm
Peso: 4,28 kg; 9.43 l
Raias: 4 à direita
Alcance útil: 500m; 1.640f
Alça de mira: de 300 a 1.200m
Cadência de fogo:(útil) 8 tiros por min.
Cadência de fogo:(Max) 16 tiros por min.
Velocidade inicial: 420 m/s; 1.378 f/s


“Paper Patch”
Em qualquer segmento que você trabalhe, sempre estamos aprendendo. No tiro não é diferente. No caso do fuzil COMBLAIN quando medi o diâmetro do cano, encontrei o valor de 0,448” e o do projétil 0,430”. Uma senhora diferença de 0,018” (4,6 mm). Na minha cabeça, isso significa, o fato de acertar ou não, o alvo. Ainda bem que era só na minha cabeça. Na realidade, em conversa com os “entendidos”, quando se atira com pólvora negra cria-se uma camada de fuligem entre o projétil e a raia que “acompanha” o tiro pelo cano. Verifique, você mesmo o resultado, nas fotos em anexo.
Aonde entra o aprendizado? Na orientação de fazer o “paper patch” caso o projétil não siga a direção que eu deseje. Tomei conhecimento dessa “arte” e, aqui passo a receita. Corte o papel “craft” no formato de triangulo de tal forma que complete duas voltas no projétil. Umedeça e enrole no projétil esse triângulo, de preferência, em cima de uma toalha emborrachada. Quando estiver bem firme passe, nas pontas dos dedos, uma camada de óleo ou graxa. Aperte, em torno do projétil. Ponha para secar ao sol. Depois de seco, o projétil ficará com uma película de papel “craft”. Na recarga, abra a boca do estojo um pouco mais e assente o projétil, normalmente. Não se esqueça isso só funciona no caso de carregar com pólvora negra. Não use em pólvora sem fumaça.

“Antonio Conselheiro”
Antônio Vicente Mendes Maciel, filho de Quixeramobim, Ceará. Nasceu em 13 de março de 1830 e morto no dia 22 de setembro de 1897 em Canudos, Bahia. Estudou aritmética, português, geografia, francês e latim. Foi escrivão de cartório, encarregado de encaminhar petições ao poder Judiciário e rábula (advogado sem diploma). Perambulou pelo interior do Ceará e outros de estados Nordestinos lendo a “bíblia” e dando sugestões às pessoas até adquirir o apelido de “Conselheiro”. Foi no ano de 1874 que fundou o arraial de Bom Jesus no sertão da Bahia. Em 1893, Antonio Conselheiro se instala em uma fazenda abandonada às margens do rio Vaza-Barris, no norte da Bahia conhecida como Canudos.

6 comentários:

Unknown disse...

Prezado Amandio, sou atirador aquí em Natal-RN. Gosto de atirar com armas militares principalmente os fuzis. Atiro sempre com um Mauser 7x57mm (dos adquiridos em 1935) de um grande amigo também atirador. Li teu artigo na Magnum sobre o referido fuzil Comblain. Excelente. Deu vontade de atirar com ele. Abraços.

Ivan Max

MILITARIA & ARMAS disse...

Armas despertam paixão, e nada melhor que a paixão, ou, neste caso, um apaixonado, para falar delas. Amandio é, apesar de recente, um grande velho amigo, destes apaixonados pelas armas e pelo tiro, e um sujeito comum como todos nós, cheio de manias, etc... Uma destas manias é pesquisar àrdua e fervorosamente os assuntos mais diversos que lhe despertam interesse, entre eles, obviamente,as armas e o tiro esportivo. E faz isto maravilhosamente bem, Coisa cada vez mais rara em todos os meios, o que me faz sentir a obrigação de recomendar a leitura deste blog, e dizer que, se houver oportunidade de um dia você estar com ele pessoalmente, que aproveite esta oportunidade única. Você com certeza não vai se arrepender e vai me agradecer... boa leitura!
Rodrigo L.P. de Queiroz Telles

Unknown disse...

muito legal mesmo vc fazer essas antigas maquinas voltarem a funcionar para o lazer.
mas porque não usou a espoleta original do cartucho presidente? a tupan da CBC é uma boa espoleta e certamente daria bons resultados. neste qusito vc trabalhou muito, embora penso eu que de forma desnecessária.
de qualquer modo parabens pelo trabalho e iniciativa.
amilcar

Unknown disse...

estou interessado em adquirir, um rifle spencel, se existir algum vendedor interessado, me ligue, Eberti 16 30179836 * 16 92988044 *16 88079017, aguardo, boa noite a todos, os apreciadores de belas antiguidades.

LUANA disse...

Gostei muito deste site,valorisar a historia é o primeiro passo para que um povo mantenhace livre.

Anônimo disse...

Não sou especialista, mas gostaria de acrescentar que o paper patch não é útil somente contra a fuligem no raiamento, mas ele tem verdadeira função de jaqueta no caso de disparos mais quentes, que poderiam chumbar o cano com resíduos do projetil sem camisa de cobre, o que deve ocorrer acima de certas velocidades. Muitas das cargas do Martini-Henry eram feitas assim, bem como as dos Sharps 50-90, dentre outros. Belo blog.

Me lembrei da passagem em "Os sertões" de Euclides da Cunha, em que o caboclinho compara a Cóblem ao Manulixe e diz que o primeiro é zuada e o segundo que é potente... rs

Abraço!